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SINAIS EM UM MUNDO DE SILÊNCIO

  • Foto do escritor: Ana Paula Brunatti
    Ana Paula Brunatti
  • 10 de mai.
  • 4 min de leitura

A história de Mariana Rangel, jovem surda e campeã brasileira de karatê


Entrevista na academia de Karatê em Ribeirão Pires
Entrevista na academia de Karatê em Ribeirão Pires

São 6:30 da manhã. Mariana sente o celular vibrando próximo ao travesseiro e desperta. Se arruma rápido e vai andando para a escola, que é próxima de casa. Já chega cansada para a aula, além de muitos dias se atrasar por não sentir o despertador. Sim, sentir a vibração do celular. Mariana, tem 16 anos e vive o silêncio todos os dias, começando pelo despertar.


Há 10 anos atrás, Mariana descobriu que é surda. Desde muito nova, se sentia sozinha, um sentimento que perdurou por muitos anos da infância e adolescência. Via as pessoas ao redor mexendo a boca, mas não entendia o que era aquilo, ou melhor, não entendia o porquê de não olharem para ela. A jovem viveu por anos em um mundo sem comunicação, aonde era invisível para os colegas, professores e para toda a sociedade. Mariana se descreve como uma criança inocente, que não sabia que era diferente, que o toque era sua forma principal de conseguir a atenção, mas  não queriam olhar para ela ou tentar entender o que queria expressar. As pessoas julgaram que ela devia viver no silêncio. 

Não tinha amigos, se sentia sozinha em todo e qualquer ambiente e isso gerou raiva. Pelos entraves comunicativos, a jovem não pode ser educada formalmente e em casa. Quando Mariana é questionada sobre acompanhar e receber informações, também pontua que apenas quando tem a janela de Libras, algo que não é visto nas principais mídias, ou seja,  nunca conseguiu acompanhar as notícias e acontecimentos da própria nação. Mas, de acordo com a Constituição Federal Brasileira, art. 79- C é dever do Estado remover qualquer barreira ou entrave comunicativo que impossibilite o recebimento de informações por meio dos principais veículos de comunicação. 

Como uma adolescente rebelde, Mariana relata ter sido uma jovem nervosa, tanto que no primeiro contato com Marcia na escola onde estuda, sua atual intérprete e amiga, houve um conflito, inclusive, não queria conhecê-la, tanto que chegou a usar de força física para afastá-la.

´´Ninguém quer me conhecer sendo surda``. Esse sentimento que carregou por anos, justifica a angústia e a raiva que sentia. 

Com a chegada de Marcia, muitas coisas mudaram. O primeiro encontro foi no oitavo ano, mas começou a acompanhar a jovem no primeiro ano de maneira contínua. Ensina Libras, Português e Matemática, além de coisas que são consideradas simples, mas que nunca foram ensinadas a ela. Como por exemplo, olhar as horas em um relógio de ponteiro, ensinando quanto vale cada número e o que significa cada tracinho no relógio. No primeiro contato, Mariana era uma adolescente que só conhecia duas palavras da língua portuguesa: menino e menina. Hoje, após muita dedicação e atenção, tem aumentado o vocabulário cada vez mais. Aquele mundo solitário, começou a ganhar formas, letras e sorrisos. Mas não aprende apenas as palavras, números ou os assuntos abordados no ensino regular, como também coisas que são ensinadas para formar cidadãos. Mariana relata que um grande aprendizado dos seus momentos com Marcia é sobre ser educada. Sobre entender o humor das pessoas, entender como lidar com seus sentimentos e não ligar para o menosprezo de muitos. Mariana ganhou autoestima e confiança, até na postura ao sentar no tatame para realizar a entrevista, que foi feita na academia que treina karatê. Hoje ela não sente mais vergonha, pois se sente vitoriosa.

A partir desse ponto, desse contato com a comunicação e com dedicação sincera de todas as partes, Mariana passa a ver aquela menina solitária como algo  do passado, pois hoje tem amigos. Todos na escola se esforçam para aprender libras e se comunicar. As meninas elogiam o sorriso, assim como os lindos olhos azuis. Agora participa de projetos, como o Dia do Surdo que foi totalmente voltado para ela. Diz que aprendeu a sorrir, se sente confiante e acolhida. Comparando com o passado, hoje vive grandes alegrias, pois aquela menina que tinha suas atividades rasgadas apenas por ter dificuldade de aprender, hoje possui material adaptado, professores que se esforçam para se comunicar e amigos que acolhem suas alegrias e tristezas.

´´Agora eu sei o que eu como``, relatando o aprendizado sobre o cardápio do almoço da escola. De palavra em palavra, Mariana descobre mais sobre sua própria vida.
´´Sem as pessoas que me ajudaram, não seria nada``.

A sensação de pertencimento só surgiu com sua rede de apoio que confiou nela e viram o quanto potencial aquela jovem guardava em seu coração. Mas não apenas contribuiu para o surgimento de Mariana como cidadã participativa e comunicativa, mas também no mais íntimo do seu entendimento, pois foi a partir de uma janela de libras em um culto, que Mariana conheceu Deus e descobriu sua fé.

´´Eu comecei a chorar pois não sabia quem era (...) Depois eu pedi o Whats de Deus pois eu queria falar com ele``

A espiritualidade é individual, onde cada um escolhe a crença que mais condiz com seus valores. Mas algo só pode ser uma opção quando é ensinado e apresentado, algo que foi privado de Mariana.

´´Eu também preciso de um alívio, eu preciso voltar a sorrir``.

 Mas graças a Libras, hoje tem como força a sua espiritualidade e convicção, que ajudam durante as dificuldades e campeonatos. Marcia, que foi a intérprete daquele culto, ensinou um sinal para lembrar que Deus sempre estará caminhando ao lado de Mariana.

Mariana é campeã brasileira de Karatê. Diogo, que é treinador, acompanha desde que ela decidiu seguir fielmente o esporte e competir. Com cerca de 100 alunos, com turmas de por volta 30 atletas, Mariana possui o mesmo tratamento, faz os mesmos exercícios e obedece os mesmos comandos. O professor, auxilia gesticulando os movimentos a serem feitos, mas é no tatame, que ela coloca sentimento e encontra alegria.

´´Ela sabe muito mais que a gente``, relata Diogo sobre a sabedoria que a jovem carrega, com tudo que ela aprendeu vivendo seu mundo silencioso.

Atualmente está indo para seu quarto campeonato, em Brasília, aonde vai realizar um de seus muitos sonhos, mas também anseia em trabalhar como policial investigativa, de ser linda e educada, talvez até ser famosa, de ter uma casa grande para reunir os amigos, entre tantos outros que hoje a Libras abre portas para ela ver como possibilidades. Alguns que são simples, como conhecer o Rio de Janeiro, para ela é algo grandioso. Tudo em sua vida é grandioso, ao comparar com aquela criança que não entendia nada, que apenas existia. 


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